(DW) A Assembleia Nacional da Venezuela, controlada pela ditadura chavista, deu início nesta semana à votação de um pacote de leis que para regulamentar redes sociais, endurecer a atuação de ONGs no país e punir o “fascismo” – termo freqüentemente usado por Nicolás Maduro para se referir a oposicionistas. Críticos alegam que a ofensiva jurídica operada por aliados do chavismo quer blindar Maduro – um caminho similar ao traçado anteriormente pelo presidente russo Vladimir Putin.
Esta é a primeira manobra legislativa de Maduro após autoridades eleitorais controladas pelo regime o declararem vencedor da votação de 28 de julho. A proposta chega em meio a denúncias de violações de direitos humanos, prisões ilegais e censura à imprensa promovidas pelo regime antes e após as eleições.
O resultado divulgado pelo regime – sem apresentação e números detalhados e contestado internacionalmente – mergulhou o país em uma crise política, que já deixou 25 mortos, 192 feridos e milhares de presos em protestos que se seguiram à votação.
O modus operandi também se desenha na Rússia de Putin, no poder há 25 anos – o mesmo período que chavismo comanda a Venezuela. Ao menos desde 2014 o Kremlin também engajou estratégias de repressão para regulamentar redes sociais, enfraquecer ONGs estrangeiras e afastar opositores.
Ofensiva jurídica na Venezuela
Ao anunciar os projetos de lei nesta terça-feira (13/08), o presidente da Assembleia Nacional da Venezuela, Jorge Rodríguez, disse que o arcabouço legal proposto “protege a população do ódio” e que é desenhado para que o “resultado eleitoral seja respeitado”. Ele ainda indicou que a Venezuela pretende banir observadores internacionais nas próximas eleições presidenciais, para que “nunca mais um estrangeiro tome posição” sobre o processo eleitoral venezuelano.
O Legislativo venezuelano é composto somente por uma Casa, controlada pelo chavismo, que ocupa 256 das 277 cadeiras. Os projetos precisam ser aprovados em dois turnos antes de seguirem à sanção presidencial. Enquanto a lei “antifascista”, que também mira nas redes sociais, está em processo de consulta pública, a lei das ONGs já circula em segunda instância e pode ser aprovada na quinta-feira.
Em nota, as Nações Unidas disseram que o projeto é negativo para a democracia e que a Venezuela vive um “clima de medo”.
A regulamentação das redes sociais chega na Venezuela após Maduro dizer que as plataformas disseminam “fascismo” e divisão política. Na última semana, ele baniu o X por dez dias após o CEO da plataforma, Elon Musk, dizer que o presidente promoveu uma “fraude eleitoral”. Maduro também boicotou o aplicativo de mensagens WhatsApp, assinalou que o Instagram é um instrumento de propagação de ódio e acusou o aplicativo chinês TikTok de querer promover uma guerra civil na Venezuela.
Rodríguez defendeu que a regulamentação vai promover a tranqüilidade individual e coletiva da sociedade, e que as redes sociais são o maior perigo contra a liberdade. Em discurso à Assembléia, o presidente da Casa disse ainda que pretende revisar a “lei contra o ódio”, que existe desde 2017 na Venezuela, para punir a propagação de ódio nas redes sociais.
Contudo, há também elementos que permitem endurecer regras contra as redes sociais já incorporados na nova “lei contra o fascismo”, que foi aprovada em primeiro turno e entra nesta quarta-feira em discussão pública.
O projeto composto por 30 artigos castiga a promoção de reuniões ou manifestações que façam “apologia ao fascismo” nas plataformas digitais ou em outros ambientes, e cria espaço para tornar ilegal partidos políticos “fascistas”. Empresas que financiam atividades que incitam o fascismo podem ser multadas em 100 mil dólares e também há previsão de sanções criminais, como prisão.
O texto aponta que “fascismo” é qualquer postura ideológica ou expressão baseada em superioridade racional o “origem étnico, social ou nacional”, que “assume a violência como método de ação política”. Segundo críticos, isto abre margem para o governo punir grupos sob alegações que usaram violência em nome, por exemplo, do neoliberalismo. O temor é que o regime use o termo para rotular qualquer tipo de conteúdo crítico ao regime.
O segundo turno de votação da Lei das ONGs foi interrompido na terça-feira, após divergências em um dos trechos, e deve ser retomada na próxima quinta-feira. A primeira discussão desse projeto data de 2023, e tem como principal objetivo endurecer a fiscalização sobre organizações estrangeiras.
O texto também quer proibir o “fascismo, a intolerância ou o ódio” nas organizações e impedi-las de “realizar atividades próprias dos partidos políticos”. A lei proíbe o recebimento de doações para entidades políticas e obriga as ONGs a se registrarem, permitindo ao governo fazer um escrutínio da “relação de doações recebidas, indicando se são nacionais ou estrangeiras”. O não cumprimento implica em multas de até 10 mil dólares.
Putin também lançou mão de estratégias legislativas para minar a atuação de opositores. O controle das redes sociais por meio de propostas de regulamentação, por exemplo, é estratégia encampada pelo Kremlin ao menos desde 2014, quando Putin sancionou a “Lei dos Blogueiros” – regra que obriga cidadãos a se registrarem no governo para publicar conteúdo online.
Em 2019, uma nova regra entrou em vigor no país, a “lei de internet soberana”, apelidada de cortina de ferro online, que isolou a Rússia dos servidores estrangeiros de internet e direcionou o tráfego interno para pontos de controle do governo. As estratégias culminaram, em 2022, com o banimento total do Facebook e do Instagram, tomados pelo Kremlin como “extremistas”.
Naquele mesmo ano, Putin ainda aprovou um pacote para criminalizar a divulgação de “informações falsas sobre as Forças Armadas do país”, que dificultou o upload de qualquer tipo de conteúdo sobre a invasão à Ucrânia em aplicativos como o Tik Tok. A lei, porém, não deixava claro o que seria tomado como informações falsas, e, assim como a lei antifascista de Maduro, previa sanções criminais e administrativas.
Em 2012 foi a vez de Putin mirar em ONGs que atuavam como observadoras eleitorais no país. Ele obrigou organizações estrangeiras com foco em “ação política” ou “formação da opinião pública” a se registrarem no país como “agentes estrangeiros” e a entregar relatórios periódicos. 148 organizações entraram na lista e 27 delas fecharam após a lei, segundo a Anistia Internacional.
Em 2015, a Rússia ainda desenhou nova legislação que permitia autoridades processarem organizações não-governamentais