A ONG responsável pelo fornecimento de refeições do programa Cozinha Solidária, do governo federal, contratou uma empresa do próprio dono e outra de um sobrinho dele. A informação foi revelada pelo jornal O Globo.
Além dos R$ 5,6 milhões destinados à distribuição de marmitas, o Movimento Organizacional Vencer, Educar e Realizar (Mover Helipa) firmou um contrato de R$ 5,2 milhões com o Ministério do Desenvolvimento Social para oferecer cursos de capacitação a moradores de baixa renda em São Paulo.
Os recursos foram repassados por meio do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), que deveria financiar o seguro-desemprego, o abono salarial e ações de desenvolvimento econômico.
Após ser questionado pela reportagem, o Ministério do Desenvolvimento Social afirmou que suspendeu o pagamento relacionado ao convênio de capacitação na periferia.
De acordo com a investigação, a Mover Helipa é comandada por José Renato Varjão, ex-assessor dos deputados petistas Nilto Tatto (PT-SP) e Ênio Tatto (PT-SP). A entidade subcontratou ONGs de ex-integrantes de gabinetes do partido para produzir e distribuir refeições.
Mesmo assim, representantes dessas entidades admitiram que estão entregando um número de marmitas muito abaixo do estipulado em contrato. O programa Cozinha Solidária foi lançado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em março de 2024, durante uma cerimônia no Palácio do Planalto.
Além da distribuição de alimentos, o ministério chefiado por Wellington Dias (PT) contratou a Mover Helipa para promover atividades que ajudassem moradores das favelas de Heliópolis e Parque Santa Madalena a ingressar no mercado de trabalho.
Entretanto, parte do dinheiro recebido pela ONG foi destinada a uma empresa da qual o próprio Varjão é sócio. Segundo os registros da Receita Federal, essa empresa tem como principal atividade a organização de feiras e eventos, mas, no contrato com a Mover Helipa, foi designada para prestar “serviços especializados como consultoria de relações institucionais” por R$ 96 mil.
“Os diretores da instituição que executam o trabalho podem receber pelo projeto. Está tudo dentro da lei”, argumentou Varjão ao O Globo.
Outra empresa contratada pertence a Jhonatas Varjão Ferreira, sobrinho do responsável pela ONG. O contrato prevê um repasse de R$ 72 mil para que ele prestasse “serviços especializados como analista de comunicação”. O detalhe que chama a atenção é que o contrato foi assinado em 1º de dezembro de 2024, três dias antes da abertura oficial da empresa na Receita Federal.
“Eu fui um dos fundadores da ONG junto com meu tio, mas agora voltei depois de passar por outros empregos”, disse Jhonatas. “Sou consultor de comunicação e cuido de redes sociais.”
Varjão defendeu a contratação do sobrinho, alegando que a escolha se deu por “capacidade técnica”, e não por laços familiares.
O Ministério do Desenvolvimento Social afirmou que, além da capacitação profissional, o convênio previa a construção de uma cozinha-escola. Segundo a pasta, todas as apurações estão sendo conduzidas com total transparência. Caso sejam confirmadas irregularidades, os repasses poderão ser suspensos, e outras medidas serão adotadas conforme a legislação vigente.
Diante da revelação do escândalo envolvendo a distribuição de marmitas e das críticas intensas da oposição, o Ministério do Desenvolvimento Social acionou, na quinta-feira (6), a Polícia Federal e órgãos de controle para investigar os gastos das ONGs envolvidas no programa Cozinha Solidária.
“As denúncias apontadas estão sendo objeto de averiguação, e o ministério já enviou uma equipe ao local nesta quinta-feira, que ficará pelo tempo que for necessário vistoriando todas as unidades denunciadas”, informou a pasta em nota oficial.
A fiscalização será conduzida pela Rede Federal de Fiscalização de Programas Vinculados ao Cadastro Único, que trabalha em parceria com a Polícia Federal, a Controladoria-Geral da União (CGU) e a Advocacia-Geral da União (AGU).
Parlamentares da oposição também reagiram rapidamente. Além de usarem as redes sociais para criticar o governo, entraram com pedidos de investigação na Procuradoria-Geral da República (PGR) e no Tribunal de Contas da União (TCU).
“O governo Lula precisa explicar por que escolheu ONGs sem capacidade comprovada para uma tarefa tão crucial”, disse a deputada Silvia Waiãpi (PL-AP), vice-líder da oposição na Câmara. “Isso é inadmissível.”