O ambiente da caserna no Brasil permanece como um espaço hermético, de difícil penetração para jornalistas e veículos de comunicação. Poucos conseguem acessar de forma efetiva o âmago das instituições militares e captar com precisão os sentimentos e opiniões predominantes entre os integrantes das Forças Armadas. Essa barreira torna bastante desafiador compreender e transmitir para o público em geral a mensagem da tropa, especialmente o que pensa o militar médio sobre os acontecimentos no país.
Entre os veículos que se destacam nessa tarefa, apenas dois possuem relevância significativa e conseguem dialogar tanto com as camadas de base quanto com os níveis intermediários das Forças Armadas: o site Montedo.com.br e a Revista Sociedade Militar. Esses portais acabam acumulando muito mais visualizações na internet do que as próprias instituições militares e se comunicam diretamente com soldados, marinheiros, cabos, subtenentes, sargentos, oficias intermediários e subalternos, segmentos que compõem aproximadamente 90% do efetivo militar brasileiro.
A Revista Sociedade Militar, conhecida entre os militares como RSM, ocupa, com base em dados da ferramenta online similarweb, atualmente o 25º lugar no ranking de veículos de notícias da internet brasileira, enquanto o site Montedo é classificado como o 9º mais acessado entre portais especializados em assuntos de defesa nacional. Ambos compartilham características como uma audiência bastante participativa, composta em grande parte por militares da ativa e da reserva, que interagem em campos de comentários dos sites e redes sociais a eles ligadas.
Uma recente análise conduzida por ferramentas de inteligência artificial com capacidade de interpretação de linguagem e para captar nuances de linguagem, como sarcasmo, ironia e expressões regionais, com base na interação dos leitores desses portais, revelou aspectos importantes sobre o “pensamento militar” em relação a eventos recentes, como a prisão do ex-ministro Braga Netto e o envolvimento político da cúpula das Forças Armadas nos últimos anos.
Termos como indignação, frustração e desilusão foram destacados pela análise automatizada, refletindo um cenário de insatisfação latente entre os militares. Esses sentimentos indicam uma percepção crítica em relação à atuação das lideranças militares e ao impacto de suas decisões na política nacional.
A análise dos comentários coletados sobre a prisão de Braga Netto e a atuação política dos militares nos últimos anos revela um mosaico de sentimentos dentro da comunidade militar, com destaque para um profundo senso de frustração, indignação e desilusão com os rumos das Forças Armadas, especialmente no contexto político recente. Eis os principais pontos identificados:
“Não foi por Deus ou pela Família, não foi para evitar a corrupção, não foi por democracia, foi por pura ganância e poder.” – Dura Lex Sed Lex
O pensamento militar, com base nas participações de militares analisadas, revela uma cisão profunda entre a cúpula das Forças Armadas e a base da instituição no que diz respeito à defesa de direitos. Muitos enxergam a cúpula armada como uma espécie de “clubinho” para defesa de privilégios dos generais, considerados a elite fardada, para manutenção de direitos e regalias que só eles mesmos possuem. Foi detectado ainda um pensamento predominante de que os generais perderam a confiança da tropa e do público ao se envolverem com política, deixando de lado o que deveria ser um compromisso com a instituição e com o país.
O último dado que sela essa desconfiança da base militar em relação a cúpula e os privilégios dos generais foi um decreto recente assinado pelo presidente da república, que reajustou as diárias recebidas pelos oficiais generais em mais de 57% enquanto o reajuste para a base ficou na casa dos 11%.
“Aqui é a república bananeiras, acha que generais vão se importar com os praças? Tão nem aí, eles vivem em Narnia !“, diz um comentário feito em 24 de dezembro de 2023 no perfil da Revista Sociedade Militar no Instagram
A base militar, em especial as praças, sente-se traída e abandonada por conta de decisões recentes em relação às carreiras e política salarial, enquanto o envolvimento das Forças Armadas em controvérsias políticas recentes é apontado por muitos como a principal causa da perda de prestígio diante da sociedade.