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PT debate sua crise e prepara mudança de comando: " Precisamos de diálogo com quem não é de carteira assinada "

Um foco é, segundo eles, conquistar uma faixa importante do eleitorado composta por quase 30 milhões de trabalhadores autônomos

Publicada em 28/10/2024 às 15:10h - 14 visualizações

por BBC News Brasil


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As eleições municipais chegaram ao fim com resultados ambíguos para o partido que comanda o país: o Partido dos Trabalhadores (PT) . Se por um lado, a legenda registrou um aumento no número de prefeituras comandadas em comparação com 2020 - e, à diferença de quatro anos atrás, conquistou até uma capital, Fortaleza -, por outro, viu rivais do Centrão e da direita bolsonarista ampliarem a quantidade de prefeituras que comandarão a partir de 2025.

O PT venceu em 252 municípios em 2024, segundo o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), uma alta de 38% em relação a 2020. Mesmo assim, está consideravelmente distante do pico obtido pelo partido em 2012, quando conquistou 624 cidades.

Em meio a este cenário, a BBC News Brasil ouviu petistas e especialistas em Ciência Política para analisar quais os fatores que levaram o PT a obter o resultado eleitoral deste ano e quais os desafios a sigla deverá enfrentar em breve, se quiser se manter competitiva no cenário nacional.

Dentro do partido, não há consenso sobre o diagnóstico do que aconteceu e quais serão os próximos passos, mas as lideranças ouvidas pela reportagem concordam que o PT precisa, de forma urgente, adotar novas estratégias para ampliar sua base eleitoral.

Um foco é, segundo eles, conquistar uma faixa importante do eleitorado composta por quase 30 milhões de trabalhadores autônomos, especialmente os que moram nas periferias das grandes cidades, que atuam na informalidade e que estariam mais alinhados a candidatos de direita.

Os entrevistados também disseram que o PT poderá ter que modular o seu discurso e sua política de alianças diante do que parece ser um evidente movimento do eleitorado brasileiro em direção à direita.

O professor de Ciência Política da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Cláudio Couto explica que a conturbada história recente do PT é um dos elementos que explicam os resultados modestos obtidos pelo partido nestas eleições.

O mesmo partido que venceu cinco das últimas seis eleições presidenciais no país também foi um dos principais alvos da Operação Lava Jato, que culminou com a prisão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), condenado e preso por crimes como lavagem de dinheiro.

Antes disso, o PT ainda cambaleava após o impeachment da ex-presidente petista Dilma Rousseff.

Segundo Couto, apesar de ter voltado à Presidência da República e ter tido um tímido aumento no número de prefeituras neste ano, o PT ainda não teria conseguido se recuperar dos impactos negativos dessa sucessão de crises vividas nos últimos anos.

"O problema do PT não está tanto nestas eleições. Ele está na eleição de 2016, que foi o ano do impeachment, do aprofundamento da recessão causada pela política econômica do governo de Dilma, e foi o ápice da Lava Jato", disse Couto à BBC News Brasil.

"Naquele ano, o PT perdeu 60% dos seus prefeitos e vereadores país afora. Ele tomou um tombo no plano municipal e ainda não conseguiu se recuperar disso", seguiu.

A petista Marília Campos, prefeita reeleita de Contagem, cidade mineira com 621 mil habitantes, tem diagnóstico semelhante ao de Cláudio Couto. Em entrevista à BBC News Brasil, ela admitiu que precisou enfrentar uma grande dose de "antipetismo" durante sua campanha à reeleição.

"Tivemos um desgaste desde a Operação Lava Jato, uma satanização do PT", disse.

"Claro que houve uma conspiração e uma construção política e cultural contra o PT, mas [essa rejeição] também é em função dos erros que a gente teve. Muitas lideranças nossas erraram [...] tudo isso criou uma decepção, especialmente no setor de classe média. E aí a base do PT se fragmentou."

Para ela, a sigla enfrenta hoje duas questões principais: a polarização nacional e o antipetismo.

O deputado federal e candidato derrotado à Prefeitura de Belo Horizonte, Rogério Correa, concorda com a ideia de que o passado recente do partido ainda o prejudica nas urnas.

"Essas dificuldades que temos vêm de um tempo atrás. O PT foi muito perseguido. Havia gente que dizia, inclusive, que o PT ia acabar. Hoje, o partido está num processo de recuperação. Já tivemos momentos melhores? Com certeza", reconhece o parlamentar que ficou em sexto colocado no primeiro turno das eleições na capital mineira, com apenas 4,37% dos votos.

A crise do discurso

Mas, para além dos estragos causados pela Lava Jato, especialistas ouvidos pela BBC News Brasil apontam que o PT enfrenta também outro tipo de crise: a perda da conexão com segmentos da população que, no passado, seriam vistos como eleitores cativos do partido.

Cláudio Couto afirmou que, quando surgiu, o PT dizia defender os trabalhadores explorados pelo sistema capitalista e que precisariam de uma representação política.

O professor disse, no entanto, que desde o surgimento e ascensão do PT, o país e o mundo viveram mudanças profundas no mercado de trabalho.

Atualmente, segundo ele, uma parcela relevante dos moradores das periferias das grandes cidades não se sentiria representada por um discurso vinculado à luta sindical uma vez que, boa parte desses trabalhadores vivem na informalidade.

"Talvez a questão mais central para o PT seja esse discurso voltado àqueles moradores das periferias das cidades e às populações de mais baixa renda, mas que se enxergam como empreendedores", disse o cientista político.

Segundo ele, esse público manifesta um desejo crescente por um Estado menos burocrático e mais favorável aos pequenos negócios, sem prescindir dos direitos sociais.

"O PT ainda não conseguiu adaptar o seu discurso e oferecer soluções para essas aspirações", disse.

Marília Campos diz ter uma leitura semelhante sobre o assunto.

"Outra questão que eu acho fundamental é o PT ter um diálogo com quem não é de carteira assinada. Nós não podemos só conversar ou defender um país apenas para os que têm carteira assinada", diz ela.

"Nós temos hoje um segmento cada vez maior, que é empreendedor, que é pequeno empresário, que é autônomo e qual é a nossa política para esse segmento?", segue a petista.

Couto diz que essa mudança no perfil dos moradores das periferias já havia sido detectada pelo próprio partido em 2017, quando a Fundação Perseu Abramo, vinculada ao PT, lançou um estudo que já apontava nesta mesma direção.

O estudo "Percepções e valores políticos nas periferias de São Paulo" delineava parte do que Couto, Marília Campos e outras lideranças do PT vêm repetindo.

"No imaginário da população não há luta de classes; o ‘inimigo’ é, em grande medida, o próprio Estado ineficaz e incompetente. Abre-se espaço para o ‘liberalismo popular’ com demanda de menos Estado", diz um trecho do estudo.

Segundo Couto, apesar de ter o diagnóstico diante de si, o PT não tomou as medidas necessárias para se adaptar a essa nova realidade.

Uma das consequências, apontam pesquisas, é uma maior tendência deste público a apoiar partidos e candidatos de direita.

Em 2023, por exemplo, o instituto Datafolha divulgou uma pesquisa encomendada pelas redes de transporte e entrega por aplicativo Uber e IFood que apontava que 40% dos entregadores entrevistados diziam ser de direita enquanto apenas 20% diziam ser de esquerda. Os 40% restantes diziam ser de centro.

Essa dificuldade em mudar o tom do discurso já começa a ser reconhecida até pelos mais altos escalões do partido.

Na semana passada, a presidente nacional do PT, a deputada federal Gleisi Hoffmann, tentou explicar o motivo dessa dificuldade de adaptação da legenda durante uma entrevista ao jornalista Reinaldo Azevedo e ao advogado Walfrido Warde.

"A formação do PT veio deste núcleo de trabalhadores, sindicalizados e organizados [...] Isso sempre ficou muito arraigado no PT, nas lideranças do PT e na cabeça do presidente [ Lula] [...] Essa mudança que a gente teve da sociedade foi se dando num processo em que a gente estava saindo do governo, combalido, pensando em nós mesmos, na nossa sobrevivência e não nos dedicamos a fazer discussões mais aprofundadas", disse Gleisi.

Marília Campos apontou, ainda, o que ela considera outro problema do PT que o afastaria de uma camada significativa do eleitorado: o discurso em torno das pautas identitárias.

As chamadas pautas identitárias são aquelas baseadas nos interesses de grupos sociais com os quais cidadãos se identificam, normalmente são associadas aos direitos de minorias como a população negra, os povos originários e a comunidade LGBTQIA+.

"De uns tempos para cá, nesse processo de fragmentação, o PT adotou um discurso muito identitário que dialoga com algumas bolhas. Isso tirou muito a capacidade do PT de dialogar com a cidade e com o país de uma forma geral", afirma ela.

"Nesse processo de reconstrução do partido, a primeira questão é adotar um discurso universalizante, onde a gente defenda, sim, a luta em defesa da igualdade social [...] mas todas essas lutas segmentadas fazendo parte de uma luta mais universal", defendeu a prefeita.

Dilema existencial: rumo ao centro?

Em meio a esse cenário intrincado, uma questão que parece se impor ao PT é: quais as saídas para a sobrevivência do partido?

Formado por diversas correntes ideológicas, a sigla passará por eleições internas em 2025. Gleisi Hoffmann, que está no comando da legenda desde 2017, tem dito que a necessidade de o partido atualizar seu discurso para se aproximar de segmentos como motoristas e entregadores por aplicativos e a população evangélica serão temas de debates internos numa tentativa de o partido voltar a dialogar com este público.

Do lado de fora do PT, analistas indagam se o futuro do partido não passaria por uma guinada ao centro, a julgar pelas posições que teve de adotar no segundo turno.

O PT oficializou apoio a adversários de bolsonaristas em Belém (PA), Belo Horizonte (MG), João Pessoa (PB) e Palmas (TO). Nestas quatro cidades, a legenda se posicionou a favor de candidatos de centro e de centro-direita contra candidatos do PL.

Em Goiânia, o PT, que ficou de fora do segundo turno, não declarou seu apoio a nenhum candidato, mas passou a fazer campanha contrária ao candidato bolsonarista Fred Rodrigues (PL), que perdeu a disputa da prefeitura da capital de Goiás para Sandro Mabel (União Brasil).

Para Marília Campos, do ponto de vista eleitoral, o PT precisará rever suas estratégias e considerar, cada vez mais, nomes mais ao centro em disputas estaduais, por exemplo.

"Aqui em Minas Gerais, por exemplo, a gente precisa de um projeto viável do ponto de vista eleitoral e de governança. E para que isso seja atingido como objetivo, nós precisamos de uma candidatura que tenha o perfil do centro, não da esquerda como eu represento", afirmou a prefeita.

Marília, que se elegeu em uma campanha que apostou na "despolarização" entre Lula e Bolsonaro, deixando o presidente petista de fora, diz que o partido deve evitar essa dualidade no futuro.

Mas a ideia de uma ida mais ao centro, no entanto, não é consenso dentro do partido.

O deputado federal Rogério Corrêa, por exemplo, disse que a legenda não pode abrir mão do debate político e de suas posições ideológicas.

"Qual é o papel do PT? Compreendendo que a extrema direita é um risco não apenas aqui, mas internacional, nós não podemos descuidar", diz.

"Nós não podemos deixar de fazer disputa pela hegemonia no combate à extrema direita porque a direita não fará isso de forma consequente."

Para a professora de Ciência Política da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Silvana Krause, alianças ao centro não são uma novidade na história do PT. Ela pontua, no entanto, que o partido precisa mostrar capacidade de adaptação a uma nova realidade.

"O PT tem sido o norte do mercado eleitoral nas duas últimas décadas, mas as direções do partido estão tendo muita dificuldade de leitura de uma nova sociedade que está despontando", diz.

"Se o partido não tiver clareza sobre isso, terá muitos problemas no futuro. Não adianta ficar com as mesmas respostas, receitas que ele tinha nos anos 90", afirmou a professora.

Já Cláudio Couto apontou que, embora o partido precise se adaptar às mudanças no perfil do eleitorado, há riscos se essa mudança não for bem calibrada.

"O que significa ir ao centro hoje? Talvez não seja a mesma cosa que ir ao centro em 2002", disse o professor, mencionando a eleição em que Lula obteve seu primeiro mandato após se aliar partidos mais à direita, como o PL do seu candidato a vice-presidente José Alencar.

Couto disse que o peso do conservadorismo no Brasil tornaria uma guinada do PT ao centro mais difícil e mais arriscada.

"Hoje, falamos de outro tipo de ida ao centro. Há um peso do conservadorismo evangélico que existia lá atrás. No passado, o PT chegou a ter apoio do Republicanos, do (pastor Silas) Malafaia. Como é que vai dialogar com esses setores?", indagou.

Couto disse que este problema não é exclusivo do PT, mas de diversos partidos à esquerda e à direita e que o risco ao buscar esse eleitor mediano é a perda da identidade partidária.

"Esse é um problema clássico, mas na esquerda, há uma grande tradição nesse tipo de movimentação. Há quem diga, inclusive, que alguns partidos se descaracterizam de tão ao centro que vão. Mas me parece que eles não têm muita opção. A questão hoje é: ir ao centro de que jeito?", disse.

Ao falar sobre as pressões de segmentos como o mercado financeiro para que o PT se posicione mais ao centro em temas econômicos, Gleisi Hoffmann disse, em entrevista ao jornalista Reinaldo Azevedo, o que parece resumir sua forma de ver o dilema imposto ao partido.

"Eu digo sempre ao pessoal do mercado: vocês não podem exigir que a gente se mate (politicamente). Temos bandeiras que são históricas como investimentos em educação, saúde, valorização do salário mínimo [...] Não podem querer que o Lula se mate e faça esse ajuste porque senão o negócio vai ficar feio", disse.










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