Em tese, ninguém está acima da lei. Na prática, justamente os servidores responsáveis por aplicá-la estão. É o que afirma o jornal O Estado de S. Paulo em editorial desta segunda-feira, 14.
“Com assombrosa eficiência, as corporações dos operadores do Direito trabalham dia e noite para distorcer o Direito a seu favor, acumulando privilégios”, diz a publicação.
Os servidores da Advocacia-Geral da União (AGU) receberam reajuste de 19% em seus vencimentos. Além disso, recebem todo mês honorários de sucumbência de ações judiciais que variam de R$ 9 mil a R$ 20 mil. Na prática, isso significa que quase todos recebem o equivalente ao teto do serviço público, de R$ 44 mil.
Mas, segundo o Estadão, aparentemente isso não basta. Na última segunda-feira, 7, o Conselho Curador de Honorários Advocatícios (CCHA) estabeleceu um “auxílio-saúde complementar” de até R$ 3,5 mil mensais aos membros da AGU. Como esse pagamento terá caráter “indenizatório”, poderá extrapolar o teto e não será tributado.
O Ministério Público peticionou uma representação no Tribunal de Contas da União (TCU) com pedido de suspensão do benefício.
“A sociedade não aceita mais isso, sobretudo quando é pública e notória a precariedade dos serviços públicos que lhe são oferecidos”, disse o subprocurador-geral ligado à Corte de Contas, Lucas Furtado.
“Aumentos salariais de servidores públicos que já estão recebendo, em sua maior parte, o teto remuneratório federal constituem verdadeira afronta e agressão ao contribuinte, que é quem paga a conta”, acrescentou.
De resto, ao criar um novo benefício, o CCHA, uma entidade privada criada para garantir transparência e isonomia na distribuição dos honorários advocatícios, usurpou competências exclusivas do Ministério de Gestão e Inovação.
“O aumento também fere o princípio da moralidade administrativa, evidenciando o insaciável apetite por recursos públicos demonstrado pelos membros das carreiras beneficiadas”, disse Furtado.
Ao advogar em causa própria, o presidente da Associação Nacional dos Advogados da União, Clóvis Andrade, se justificou: “Não estou falando que a remuneração do membro da AGU é baixa”, disse à Folha de S.Paulo. “Apenas estou fazendo o comparativo com outras carreiras, demonstrando que ainda existe uma desvantagem.”
“Eis a lógica perversa do ‘privilégio adquirido'”, destaca o Estadão. “Primeiro, um setor da elite do funcionalismo aumenta seus rendimentos. Logo, outros segmentos da elite, pretextando “isonomia”, engordam os seus, ampliando a distância em relação às bases.”