Em 25 de agosto de 2021, com o país ainda vivendo sob restrições da pandemia, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, fez um anúncio que dividiu opiniões: rejeitou o pedido de impeachment do ministro do STF Alexandre de Moraes, sustentado por milhões de assinaturas de apoio. "Determinei a rejeição da denúncia por falta de justa causa e solicitei o arquivamento do processo", declarou Pacheco, em frente ao Congresso, destacando que a decisão teve respaldo de um parecer da Advocacia-Geral do Senado.
Mas uma revelação recente reacendeu o debate sobre o episódio. O advogado-geral do Senado, Thomaz Gomma de Azevedo, que forneceu o parecer determinante para a rejeição, é também sócio fundador de um renomado escritório de advocacia, a Lacerda, Azevedo, Villela & Fernandez Advogados (LVFA), que atende empresas com processos em tramitação no Supremo Tribunal Federal (STF). Desde sua fundação em 2016, o LVFA se viu envolvido em mais de 120 processos no STF, muitos dos quais têm como relator o próprio ministro Alexandre de Moraes.
A remuneração de Azevedo pelo Senado chega a R$ 42,5 mil mensais, somando gratificações e auxílios. No entanto, ele não é o único do LVFA a ocupar cargos na Casa Alta; seus sócios, Andre Luis Soares Lacerda, Fabio Fernando Moraes Andrade e Renata Andrade de Azevedo, também são advogados do Senado, o que traz dúvidas sobre a imparcialidade dos pareceres emitidos.
Entre a Ética e a Imparcialidade: Juristas Questionam Dualidade de Atuação
A atuação simultânea de Thomaz de Azevedo no setor público e privado gera críticas sobre um possível conflito de interesses. A advogada Samantha Meyer, mestre em Direito pela PUC-SP, observa que a dupla função compromete a isenção necessária para cargos que analisam processos de impeachment contra ministros do STF. "Será que o parecer de Azevedo poderia ser isento?", indagou Samantha. Ela enfatiza que, ao recomendar o arquivamento de um processo contra Moraes, Azevedo poderia estar evitando impactos negativos para clientes de seu escritório.
Marsiglia e Samantha, também especialistas em ética jurídica, amparam-se no Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), cujo artigo 28 proíbe advogados em cargos públicos de advogarem em nome próprio ou de terceiros. Entretanto, as diretrizes da OAB não têm força de lei, uma lacuna que permanece sem correção nas esferas legislativas.
Lobby e o Futuro da Imparcialidade no Serviço Público
O tema já havia sido pautado antes. Em 2014, o então senador Jorge Viana (PT) apresentou uma proposta para proibir advogados públicos de atuarem na advocacia privada, argumentando que o conflito de interesses viola o princípio da moralidade administrativa. A proposta, no entanto, foi arquivada, e até hoje a questão permanece sem regulamentação, situação que muitos atribuem à pressão de lobbies que sustentam o sistema atual.
Ao longo desses anos, enquanto decisões como a de Pacheco buscavam evitar choques entre os Poderes, o país viu crescer a tensão e a desconfiança pública em relação ao Judiciário. De lá para cá, Moraes foi protagonista de inquéritos polêmicos, decisões de censura e uma série de medidas judiciais que agitaram o cenário político e jurídico brasileiro.
Há cerca de um mês, em meio à divulgação de novas denúncias, parlamentares da oposição entregaram a Pacheco mais um pedido de impeachment contra Moraes. Ao receber o documento, Pacheco prometeu que qualquer decisão "será fundamentada". A incógnita, no entanto, é quem emitirá o parecer agora.