Com a piora nas contas públicas e alta na taxa de juros, o governo Luiz Inácio Lula da Silva prevê que a dívida bruta do país deve ultrapassar 81% do Produto Interno Bruto (PIB) a partir de 2026, último ano do atual mandato presidencial. As novas estimativas do Tesouro Nacional superam aquelas divulgadas em abril, quando houve ajuste nas metas fiscais de 2025 em diante.
Em janeiro, o secretário do Tesouro Nacional, Rogério Ceron, afirmou que, “se nada for feito, a dívida poderia chegar a 80% do PIB”. No entanto, ele tranquilizou dizendo que “esse cenário não vai acontecer”.
Desde então, o governo regularizou pagamentos de sentenças judiciais atrasadas, o que contribuiu para o aumento da dívida, e também ampliou despesas obrigatórias.
De acordo com informações da Folha de S.Paulo, o governo também excluiu certos gastos da meta de resultado primário, o que impactou o endividamento do país. Nas estatísticas do Banco Central, a dívida bruta só ultrapassou 80% do PIB durante a pandemia de covid-19.
O governo enfrenta ceticismo do mercado e de órgãos de controle, já que baseia parte de suas projeções de receitas em medidas incertas ou de efeito temporário. Essas medidas incluem o resgate de depósitos judiciais, o que gera dúvidas sobre a capacidade de melhorar a situação fiscal de forma sustentável.
As novas projeções da dívida não foram apresentadas na divulgação do Orçamento em 2 de setembro, mas a Folha as extraiu de informações complementares enviadas ao Congresso Nacional em 18 de setembro.
Segundo o jornal, a dívida deve crescer de 74,4% do PIB em 2023 para 81,6% em 2026, alcançando 81,8% em 2027. Ela deve recuando ligeiramente para 81,5% em 2028. Esse indicador é monitorado de perto pelos agentes econômicos, pois é um dos principais parâmetros de solvência do país. A dívida líquida, que desconta créditos a receber e reservas internacionais, também aumentou.
O Tesouro Nacional informou que “houve um aumento no nível da DBGG [dívida bruta do governo geral], mas não em sua tendência”. O órgão prevê uma estabilização entre 2027 e 2028.
A revisão das projeções foi resultando principalmente da mudança na taxa de juros, com a Selic prevista em média 1,2% mais alta entre 2024 e 2026.
As estimativas fiscais deste ano também influenciaram a revisão. Em abril, o déficit estimado era de R$ 9,3 bilhões, enquanto o Orçamento de julho incorporou um déficit de R$ 57,5 bilhões. Na semana passada, o governo atualizou a projeção novamente e previu um déficit ainda maior, de R$ 68,8 bilhões. Isso tende a elevar as projeções da dívida para cerca de 82% do PIB no futuro.
A escalada da dívida para níveis superiores a 80% foi anteriormente considerada insustentável pelo próprio Tesouro para um país com as características do Brasil. A volta do grau de investimentos pelas agências de classificação de risco, perdido durante o governo da petista Dilma Rousseff, também fica mais distante.
Segundo o economista Manoel Pires, coordenador do Centro de Política Fiscal e Orçamento Público do FGV Ibre, “quando a dívida é crescente e em um nível relativamente alto, como é o nosso caso, é uma fonte de vulnerabilidade”. “O governo é dependente do mercado financeiro para financiar a dívida pública”, disse ele à Folha.
Ainda conforme o economista, à medida que a dívida pública aumenta, o governo precisa ampliar seu esforço de superávit primário para estabilizá-la, seja cortando despesas, seja elevando receitas. Uma parcela considerável da dívida vence no curto prazo, gera pressão no mercado e eleva as taxas de juros no refinanciamento. “Isso realimenta a própria dinâmica da dívida”, informou Pires.
Ele destaca que o principal motor para reduzir o endividamento é o superávit primário, que tem sido uma “questão desafiadora” para o governo.
“Não quer dizer que não vai aumentar o superávit, mas o governo tem tido dificuldades em fazer isso”, afirma.